10/07/2007

A camioneta harmónica (ou "Boas Festas na Carris")

Mais uma pequena história para a época da canícula, mas com alguma actualidade, penso.
Um dos pontos de discussão no debate de ontem entre os candidatos à Câmara de Lisboa foi o problema dos transportes na capital e nomeadamente o monopólio da Companhia Carris de Ferro de Lisboa.
Fez-me lembrar um dos meus primeiros textos em português, uma carta de leitor na época de Natal 1995.
A camioneta harmónica
"Sou acordeonista e deveria então estar muito satisfeito com aqueles autocarros novos, compridos, com foles no meio, autênticos fetiches!
Mas não estou....
Um domingo em Novembro, nove e meia da noite, Rossio. Sozinho estou à espera do último autocarro da linha nº 11. A paragem é mesmo depois de dobrar a esquina, por isso é preciso muita atenção.
Lá vem, a alta velocidade, uma camioneta harmónica. No espaço onde se costuma ver o número da linha e o destino lê-se agora: "Boas Festas na Carris." Toma-me um ligeiro pânico: há camionetas harmónicas nas linhas nº 9, 11, 45, 46 e 90 e a minha boa educação impede-me de mandar parar um autocarro sem entrar nele...
Cinco metros antes da paragem reaparece o destino: 11 - Damaia. Num reflexo levanto o braço, mas já é tarde, o autocarro não pára. Vou atrás dele e tenho sorte: cinquenta metros mais à frente o sinal está vermelho. Bato à porta e o motorista deixa-me entrar, com cara de muito poucos amigos, claro.
O autocarro está cheio, tem duas vezes o comprimento dos autocarros antigos, mas não há muito mais lugares sentados. Há sim muitos passageiros amontoados em pé, o que é lógico: autocarros mais compridos, por isso menos autocarros, por isso mais passageiros por autocarro....em pé.
Faltam as placas com o aviso: "Sr. Passageiro, se viajar em pé, segure-se bem, o motorista pode ter necessidade de fazer uma travagem brusca." Logo se percebe porque: numa camioneta harmónica todas as travagens são necessariamente bruscas. Juntam-se a isto as péssimas condições das estradas de Lisboa que tornam uma viagem nesta camioneta num autêntico martírio.
Não há pachorra!"
(Tribuna do Leitor, jornal "Público", Novembro 1995).
Recebi várias reacções de pessoas que concordaram com este meu "resmungo".
Agora, quase doze anos mais tarde, a situação não mudou para melhor, parece-me.
Só nos últimos tempos mandei três queixas ao provedor da Carris sobre horários não cumpridos e condução irresponsável de certos motoristas (nomeadamente da linha 46, agora 746, que uso muito), estes sujeitos já me causaram estragos na bagagem e uma luxação num braço....
Por isso, quanto a mim, fim do Monopólio da Carris, já!!

12 comentários:

Anónimo disse...

Caro Rini,

Já não ando de autocarro há muitos anos. mas concordo inteiramente contigo. Apesar da minha postura burguesa e pouco amiga do ambiente.

E adoro esta tua faceta contestatária. Dá um toque intervencionista ao Anacruses.

Anónimo disse...

De facto, é incompreensível porque não há muito mais imigrantes holandeses em Portugal: adoramos queixar e resmungar, mesmo quando não existe razão nenhuma para isso, como na Holanda por exemplo, tudo tão bem organizado. Em Portugal, pelo contrário, razões para se queixar não faltam, é um paraíso para nós, Holandeses!

Anónimo disse...

O pisca-pisca é uma inspiração inigualável.

Anónimo disse...

Olá Rini,

Como te compreendo...

RM (30 anos de Holanda)

Anónimo disse...

Caro Rui (Rebelo),

Sendo assim (sobre o "pisca-pisca") vou mudar um bocadinho o título do post.

Caro Rui Mota,

Bem-vindo ao nosso blogue!

Para os meus colegas-bloguistas e outros leitores: Rui Mota é musicólogo e excelente linguista, viveu durante 30 anos na Holanda (como já indicou)...e por isso compreende-me! Quem julga (como Rui R.) que EU sou contestatário e intervencionista devia ler o seu artigo "Deficiências hospitalares: uma situação vergonhosa" no jornal "Público" de 21 de Agosto 2006 (guardei o artigo), sobre "situações" no Hospital Amadora-Sintra (outrora considerado hospital-modelo)...

Anónimo disse...

...E graças à visita do venerado J. Rentes de Carvalho ao nosso blogue, hoje às 6.38 h de manhã(!), a Holanda subiu ao 7º lugar na lista das visitas, ultrapassando a China e ficando a só uma "visita" do Reino Unido!

Cristina Gomes da Silva disse...

Que belo "resmungo" ainda por cima um holandês que até contesta em português, e bem. Interessante, o vosso blog.

Rini Luyks disse...

Obrigado, Cristina, bem-vinda ao nosso blogue. Eu li um bocado no vosso "Blogue que ninguém lê".
A ideia das fotos de vós (nós) próprios há 30 anos é gira. Também vou à procura.

Um abraço.

Anónimo disse...

Sorry, Rui R., mas este não posso deixar passar: um erro gramatical gravíssimo no meu primeiro comentário. "De facto, é incompreensível QUE NÃO HAJA muito mais imigrantes holandeses em Portugal".
Não é!?

Anónimo disse...

Olá Rini,
Obrigado pelas tuas simpáticas palavras. Infelizmente, a principal razão dos meus protestos junto Hospital que referes, já não existe.
Existem, sim, muitas razões para criticar em Portugal e, por isso, a minha colecção de cartas críticas não pára de aumentar...de tal modo, que até decidi participar num "blogue" colectivo. Lá espero, igualmente, a tua visita:
"www.faceocultaterra.blogspot.com"

Anónimo disse...

Caro Rui Mota,

Se percebi bem a tua resposta, tenho que exprimir os meus sentimentos (provavelmente com atraso).
O link do blogue que referes vai directamente para as nossas "Harmonias". É um "must" neste país!

Um abraço.

Anónimo disse...

Caro Rini,

Percebeste bem a minha resposta.

Abraços.