13/09/2007

José Blanc de Portugal

Dia de Todos-os-Santos

Supõe que morri
(Aos mortos se escreve também algumas vezes).
Não sou de cá.
O que me dizem estranho
E ouço o que não há.
Assim, talvez, como estrangeiro,
Encontres palavras que me interessem,
Saibas dar-me o que me tarda...
coisas perdidas que procuro
e talvez se possam dar
aos que partiram e esqueceram
e, por isso,
se lhes oferece o resto de tudo
sem mesmo se saber
que alguma coisa é dada.

Supõe que morri e diz
todas as verdades que se dão aos mortos
o que se confessa a quem não ouve
e espera resposta de ninguém ...

Dizem que os deuses morreram:
Sou da raça deles
à espera de Deus


José Blanc de Portugal

Pouca coisa se encontra na net sobre este homem de cultura e pensamento abrangente e transversal. Homem das letras e da música; poeta, crítico e amante do conhecimento.
Tive a oportunidade de conviver com ele, embora já o tenha conhecido numa idade avançada.
Fica aqui a homenagem ao homem e ao poeta que também é (foi) bisavô de dois dos meus filhos.

17 comentários:

Eduardo Graça disse...

Um poeta que muito admiro.

Luís Galego disse...

O Carpinteiro de Cenários Sou um carpinteiro de cenários

Dum ballet russo ou doutro qualquer.

Guardo as ferramentas do ofício

Pregos, dobradiças, apetrechos vários;

Um ar canhestro de quem é sempre mandado

E a certeza do acaso quando quer

Que alguém nos tome pela mão numa aventura

Inesperada só do outro lado dessa pobre alma

("Pobre alma" vem do russo).

Ela ganha a certeza de que nada é por acaso

Perdendo a certeza de que nada dura

E alguma coisa fica do que era nada

Desespero da impossível calma

Esperança de que fique vício ou piedade

Em pedacinhos fragmentários

Pregos, dobradiças e a tinta escura ou viva

Que o sol ausente do teatro não comeu.

Cravo os pregos do amor por todo aquele armazém dos desperdícios

Que nenhuma vassoura limpará do pó das glórias mortas.

Fixo as dobradiças que me unirão p'ra sempre a tais memórias

Experimentando com cuidado e sem saber a serventia dessas portas

Que porão em cena novas glórias das ocasiões fatais

P'ra eu sofrer do alto da urdidura.

Anos de acaso fizeram-me um perito

A que recorrem os que não têm coragem

De mostrarem que não se admiram a si próprios

Senão quando todos aplaudem

E se revoltam com a confiança dos maítres de ballet

que falam duro.

Mas, nos dias mornos, lhes é tudo indiferente.





A estrela untando as sapatilhas na resina

Olhou-me com os olhos a piscar, vermelhos.

Cairia se a não agarrasse e no escuro lhe dissesse

Porque atrasara o sexto fouetté do seu allegro.





Em cena todos os desculparam porque era estrela

Porque trinta e oito anos são uma idade perigosa

E amanhã não sucederia o mesmo

E há muitos anos não tinha amores a comentar e estava triste.

Mas eu sabia que onde ela passara o tablado tem sulcos que o tempo

Usou como fez para abrir as duas rugas

Que a pobre alma tem, como parênteses, em volta da pequena boca

Que floriu tantas Giselles e Odettes.

Não me casei porque vivo demais neste teatro

Que então já seria a minha casa que afinal não tenho.

Todos me tomam como uma parte desta casa.

E talvez sem o saberem me invejem

Tantos que nunca tiveram uma casa

Ou a que têm é apenas quanto dura



A Companhia ou a ligação de acaso.

As vezes é um grande sol de amor que a ilumina

Sol de teatro como os velhos arcos voltaicos

Choques e carvões sempre sujos que eu dantes ajudava a limpar.

Eu encontrei a casa que é minha por não ser.

Sabe-lo foi tudo o que encontrei.

Aquela rapariga que iria longe

E ao primeiro grand pas de deux classique

Partiu um braço porque julgara já poder esquivar-se

Aos desejos naturais do premier danseur

Foi pena ter esquecido depressa demais o tempo em que podia

Tomar comigo um café e achar-me um pouco filósofo.

É tarde. Tudo isto é escuro e amanhã

— Cedinho, é preciso que cá estejas... —

Bem sei. já não preciso dormir muito.

Guardo na caixa os pregos e as dobradiças.

Ao menos hoje a grande estrela

Aprendeu um segredo do palco.

Possa ela não se vingar aconselhando aquela diagonal

À pequena em que o diretor põe agora todas as esperanças

Só lhe direi o que ela quiser.

É tarde. É melhor ficar cá no teatro.

A única luz dá sobre a caixa da resina.

Basta-me apagá-la para adormecer.

José Blanc de Portugal

Grande homem este que escreve com esta mestria e beleza...

Anónimo disse...

Um blog com música é sempre bem-vindo! - abraço e cá estive eu a retribuir a visita, IO.

un dress disse...

conhecia o nome.

e agora os poemas

e assim de novo o nome

mais por dentro...


:)

Pedro Ludgero disse...

Mesmo os livros são difíceis de arranjar...

xistosa, josé torres disse...

CAMÕES

Passaste fome,/
Dizem alguns que de tua vida comem/
Vermes parasitas que vivem de inventar as tuas histórias.../
Talvez um dia neles a mutação se opere/
Quando os bichos mudem de alimentação e/
Passem a roer a tua obra/
E não a tua morta vida terreal./

Ah Camões! Luís Vaz, se visses/
Como os vermes pastam tua glória!/
Por um que ame apenas tua obra/
Quantos te inventam a vida passada/
P'ra explicar versos que não sentem/
Ou sentem tão à epiderme/
Que precisam de outra história/
Que não a das palavras que escreveste!/

Também eu li demais a tua inventada vida:/
Tudo quero esquecer p'ra mais lembrar/
Que poesia é só a tua glória/
Eterna vida é só tua Poesia/
E a vida que viveste é morta história./

(José Blanc de Portugal)

Anónimo disse...

Grande homem e grande poeta.

parabéns pelo blog.

Anónimo disse...

Homem digno e frontal sei quem sim senhor! Como foi afrontado com o imbecil do Santana Lopes por ter dito que ele era um imbecil musical e tinha razão, sobre o tadinho!
José Blanc de Portugal!

Rui Rebelo disse...

Obrigado a todos pelos comentários.

Tem toda a razão Maria Velho. E eu e a minha mulher, sua neta, podemos contribuir para uma maior divulgação da sua obra, nomeadamente uma publicação da sua obra completa.
Vou reunir a família e lançar a proposta.

Obrigado.

Rui Rebelo disse...

Caro anónimo.

É verdade, já me esquecia desse episódio. O José Blanc de Portugal foi o único que ousou chamar o boi pelo nome aquando a história dos violinos do Chopin.
E já com uma certa idade, a polícia foi buscá-lo a casa para prestar declarações na esquadra. O ignorante do Santana Lopes nem sabia quem o senhor era.

ruialme disse...

Também convivi (pouco, mas nunca me sairá da memória!) com JBP, também já nos últimos anos da sua vida.
Falei com ele sobre o episódio do "imbecil musical" (expressão q usou numa entrevista à Grande Reportagem) e o q me contou foi q tinham ido dois PJ a sua casa, nitidamente apenas para cumprir serviço, de tal maneira q no fim lhe disseram q aquilo não tinha outro destino senão o caixote do lixo. A propósito, convém lembrar q apenas duas pessoas (q eu tenha dado por isso...) se manifestaram publicamente contra tão infeliz afronta de um Sec. de Estado da Cultura. Foram eles Manuel Hermínio Monteiro e Francisco José Viegas, num texto publicado na revista Ler.

Agora crime, é a poesia de JBP continuar por editar.
E quem diz a poesia diz os seus inúmeros textos de (anti-)crítica dispersos.

Anónimo disse...

CLara Pinto Correia escreveu uma crónica feroz, e eu já andava indignado por saber que o srandava de um lado para outro com a idade que tinha a responder, pasme-se, que tinha ofendido um orgão de soberania!
Tenho em casa apenas os poemas que Jorge de Sena nos ofereceu na Antologia Lírica portuguesa, é pouco... Vá lá família mãos à obra, é tempo de termos José Blanc de Portugal entre nós! Força, mas cuidado com o projecto de republicação da obra, há no mercado da edição e reedição muitos gangsters. Que bofetada de pelica
aos ressabiados de 8o!

Anónimo disse...

Parece que ainda houve um abaixo-assinado a circular que continha com nomes de peso e onde era exigido ao santana a retirada da queixa, o que ele fez de rabinho entre as pernas.

O mais engraçado no meio disto tudo é que o José Blanc de Portugal adorou o episódio e contava-o como um acontecimento emocionante, uma aventura que ele adorou.

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

belissimo poema!

gostei de passear por aqui

Unknown disse...

Que bom ver estas pessoas como o Rui Rebelo que é pai de dois netos meus,(e este blogg) que se preocupam com a nossa grande cultura tantas vezes abandonada por quem de direito.. E traduzida por outros países! Sim, o meu pai José Blanc de Portugal foi sem dúvida alguma uma das grandes figuras da literatura e cultura do séc.XX.Tem que ser estudado como tal nas Universidades como tal e já vai sendo...lentamente!Na Califórnia já o estudam...Muitos alunos de Jorge de Sena, outro grande amigo de meu pai, muitas vezes vinham a Lisboa só para falarem com ele em nossa casa...Conheci tantos! Em breve a Imprensa Nacional vai editar a obra completa de meu pai,José Blanc de Portugal.Já estão os trabalhos em curso.Nunca me esquecerei da "minha enciclopédia primeira" como eu lhe chamava...Estava a trabalhar no Ministério da Cultura quando do episódio do "imbecil musical" tão comentado e caricaturado na nossa imprensa e que ainda hoje é comentado nos meios musicais pelos nossos melómanos! Foi divertidissimo lá em casa!O David Mourão-Ferreira chegou a pedir-me um "dossier" de imprensa sobre o assunto para fazer um comentário que não foi possível, como não lhe foi possível fazer um trabalho sobre a obra de José Blanc de Portugal - (Um paralelismo entre Fernando Pessoa,Vitorino Nemésio e José Blanc de Portugal) que ele considerava de extremo interesse.A razão foi a terrivel doença que o vitimou tão rapidamente.Espero que o espólio ainda em casa de família seja entregue á Biblioteca Nacional logo estejam reunidas condições.
No dia 13 de Maio de 2010 fazem 10 anos da sua morte que ocorreu quando da visita de João PauloII e após a benção papal em Fátima!!!Meu pai sempre disse que morreria com uma benção especial! Quero, com a ajuda do padre Peter Stillwell, do PEN CLUB, e também amigo dele..."Quem não era?"...publicar um ensaio sobre este assunto que particularmente e não só, suscitará o interesse público mundial! Que Deus me dê coragem e força para o poder fazer, uma vez que a história é muito interessante!Seria uma verdadeira homenagem e a que eu lhe gostaria de fazer!
Obrigada meus amigos
Ana Maria de Portugal Lopo de Carvalho

Ana Maria de Portugal Lopo de Carvalho disse...

Pois é, desapareceu!
Desapareceu o último comentário que aqui deixei...Mas não faz mal pois os resultados vão aparecer..
Não hei-de morrer sem ver e fazer a justa e merecida homenagem ao meu pai José Blanc de Portugal!
No 10º aniversário da sua morte que se vai passar este ano(13 de Maio) vamos homenageá-lo!
Muitos são os que se querem associar.Tantos eram os amigos e admiradores!
É justo e merecido!
Homem grande e tão simples como todos os que o são...
Desapareceu o que escrevi mas não desaparecerá nunca a sua memória!
Jovens de Portugal, prometo-vos!
Ana Maria de Portugal

Anónimo disse...

Gosto do poema "Camões".
Neste caso porque descreve de certa forma o que aqui estamos a constatar...
É sim, José Blanc de Portugal:
..."Poesia é só tua glória/
Eterna vida é só tua poesia"

Ana Maria de Portugal Lopo de Carvalho