Dia de Todos-os-Santos
Supõe que morri
(Aos mortos se escreve também algumas vezes).
Não sou de cá.
O que me dizem estranho
E ouço o que não há.
Assim, talvez, como estrangeiro,
Encontres palavras que me interessem,
Saibas dar-me o que me tarda...
coisas perdidas que procuro
e talvez se possam dar
aos que partiram e esqueceram
e, por isso,
se lhes oferece o resto de tudo
sem mesmo se saber
que alguma coisa é dada.
Supõe que morri e diz
todas as verdades que se dão aos mortos
o que se confessa a quem não ouve
e espera resposta de ninguém ...
Dizem que os deuses morreram:
Sou da raça deles
à espera de Deus
José Blanc de Portugal
Pouca coisa se encontra na net sobre este homem de cultura e pensamento abrangente e transversal. Homem das letras e da música; poeta, crítico e amante do conhecimento.
Tive a oportunidade de conviver com ele, embora já o tenha conhecido numa idade avançada.
Fica aqui a homenagem ao homem e ao poeta que também é (foi) bisavô de dois dos meus filhos.
Supõe que morri
(Aos mortos se escreve também algumas vezes).
Não sou de cá.
O que me dizem estranho
E ouço o que não há.
Assim, talvez, como estrangeiro,
Encontres palavras que me interessem,
Saibas dar-me o que me tarda...
coisas perdidas que procuro
e talvez se possam dar
aos que partiram e esqueceram
e, por isso,
se lhes oferece o resto de tudo
sem mesmo se saber
que alguma coisa é dada.
Supõe que morri e diz
todas as verdades que se dão aos mortos
o que se confessa a quem não ouve
e espera resposta de ninguém ...
Dizem que os deuses morreram:
Sou da raça deles
à espera de Deus
José Blanc de Portugal
Pouca coisa se encontra na net sobre este homem de cultura e pensamento abrangente e transversal. Homem das letras e da música; poeta, crítico e amante do conhecimento.
Tive a oportunidade de conviver com ele, embora já o tenha conhecido numa idade avançada.
Fica aqui a homenagem ao homem e ao poeta que também é (foi) bisavô de dois dos meus filhos.
17 comentários:
Um poeta que muito admiro.
O Carpinteiro de Cenários Sou um carpinteiro de cenários
Dum ballet russo ou doutro qualquer.
Guardo as ferramentas do ofício
Pregos, dobradiças, apetrechos vários;
Um ar canhestro de quem é sempre mandado
E a certeza do acaso quando quer
Que alguém nos tome pela mão numa aventura
Inesperada só do outro lado dessa pobre alma
("Pobre alma" vem do russo).
Ela ganha a certeza de que nada é por acaso
Perdendo a certeza de que nada dura
E alguma coisa fica do que era nada
Desespero da impossível calma
Esperança de que fique vício ou piedade
Em pedacinhos fragmentários
Pregos, dobradiças e a tinta escura ou viva
Que o sol ausente do teatro não comeu.
Cravo os pregos do amor por todo aquele armazém dos desperdícios
Que nenhuma vassoura limpará do pó das glórias mortas.
Fixo as dobradiças que me unirão p'ra sempre a tais memórias
Experimentando com cuidado e sem saber a serventia dessas portas
Que porão em cena novas glórias das ocasiões fatais
P'ra eu sofrer do alto da urdidura.
Anos de acaso fizeram-me um perito
A que recorrem os que não têm coragem
De mostrarem que não se admiram a si próprios
Senão quando todos aplaudem
E se revoltam com a confiança dos maítres de ballet
que falam duro.
Mas, nos dias mornos, lhes é tudo indiferente.
A estrela untando as sapatilhas na resina
Olhou-me com os olhos a piscar, vermelhos.
Cairia se a não agarrasse e no escuro lhe dissesse
Porque atrasara o sexto fouetté do seu allegro.
Em cena todos os desculparam porque era estrela
Porque trinta e oito anos são uma idade perigosa
E amanhã não sucederia o mesmo
E há muitos anos não tinha amores a comentar e estava triste.
Mas eu sabia que onde ela passara o tablado tem sulcos que o tempo
Usou como fez para abrir as duas rugas
Que a pobre alma tem, como parênteses, em volta da pequena boca
Que floriu tantas Giselles e Odettes.
Não me casei porque vivo demais neste teatro
Que então já seria a minha casa que afinal não tenho.
Todos me tomam como uma parte desta casa.
E talvez sem o saberem me invejem
Tantos que nunca tiveram uma casa
Ou a que têm é apenas quanto dura
A Companhia ou a ligação de acaso.
As vezes é um grande sol de amor que a ilumina
Sol de teatro como os velhos arcos voltaicos
Choques e carvões sempre sujos que eu dantes ajudava a limpar.
Eu encontrei a casa que é minha por não ser.
Sabe-lo foi tudo o que encontrei.
Aquela rapariga que iria longe
E ao primeiro grand pas de deux classique
Partiu um braço porque julgara já poder esquivar-se
Aos desejos naturais do premier danseur
Foi pena ter esquecido depressa demais o tempo em que podia
Tomar comigo um café e achar-me um pouco filósofo.
É tarde. Tudo isto é escuro e amanhã
— Cedinho, é preciso que cá estejas... —
Bem sei. já não preciso dormir muito.
Guardo na caixa os pregos e as dobradiças.
Ao menos hoje a grande estrela
Aprendeu um segredo do palco.
Possa ela não se vingar aconselhando aquela diagonal
À pequena em que o diretor põe agora todas as esperanças
Só lhe direi o que ela quiser.
É tarde. É melhor ficar cá no teatro.
A única luz dá sobre a caixa da resina.
Basta-me apagá-la para adormecer.
José Blanc de Portugal
Grande homem este que escreve com esta mestria e beleza...
Um blog com música é sempre bem-vindo! - abraço e cá estive eu a retribuir a visita, IO.
conhecia o nome.
e agora os poemas
e assim de novo o nome
mais por dentro...
:)
Mesmo os livros são difíceis de arranjar...
CAMÕES
Passaste fome,/
Dizem alguns que de tua vida comem/
Vermes parasitas que vivem de inventar as tuas histórias.../
Talvez um dia neles a mutação se opere/
Quando os bichos mudem de alimentação e/
Passem a roer a tua obra/
E não a tua morta vida terreal./
Ah Camões! Luís Vaz, se visses/
Como os vermes pastam tua glória!/
Por um que ame apenas tua obra/
Quantos te inventam a vida passada/
P'ra explicar versos que não sentem/
Ou sentem tão à epiderme/
Que precisam de outra história/
Que não a das palavras que escreveste!/
Também eu li demais a tua inventada vida:/
Tudo quero esquecer p'ra mais lembrar/
Que poesia é só a tua glória/
Eterna vida é só tua Poesia/
E a vida que viveste é morta história./
(José Blanc de Portugal)
Grande homem e grande poeta.
parabéns pelo blog.
Homem digno e frontal sei quem sim senhor! Como foi afrontado com o imbecil do Santana Lopes por ter dito que ele era um imbecil musical e tinha razão, sobre o tadinho!
José Blanc de Portugal!
Obrigado a todos pelos comentários.
Tem toda a razão Maria Velho. E eu e a minha mulher, sua neta, podemos contribuir para uma maior divulgação da sua obra, nomeadamente uma publicação da sua obra completa.
Vou reunir a família e lançar a proposta.
Obrigado.
Caro anónimo.
É verdade, já me esquecia desse episódio. O José Blanc de Portugal foi o único que ousou chamar o boi pelo nome aquando a história dos violinos do Chopin.
E já com uma certa idade, a polícia foi buscá-lo a casa para prestar declarações na esquadra. O ignorante do Santana Lopes nem sabia quem o senhor era.
Também convivi (pouco, mas nunca me sairá da memória!) com JBP, também já nos últimos anos da sua vida.
Falei com ele sobre o episódio do "imbecil musical" (expressão q usou numa entrevista à Grande Reportagem) e o q me contou foi q tinham ido dois PJ a sua casa, nitidamente apenas para cumprir serviço, de tal maneira q no fim lhe disseram q aquilo não tinha outro destino senão o caixote do lixo. A propósito, convém lembrar q apenas duas pessoas (q eu tenha dado por isso...) se manifestaram publicamente contra tão infeliz afronta de um Sec. de Estado da Cultura. Foram eles Manuel Hermínio Monteiro e Francisco José Viegas, num texto publicado na revista Ler.
Agora crime, é a poesia de JBP continuar por editar.
E quem diz a poesia diz os seus inúmeros textos de (anti-)crítica dispersos.
CLara Pinto Correia escreveu uma crónica feroz, e eu já andava indignado por saber que o srandava de um lado para outro com a idade que tinha a responder, pasme-se, que tinha ofendido um orgão de soberania!
Tenho em casa apenas os poemas que Jorge de Sena nos ofereceu na Antologia Lírica portuguesa, é pouco... Vá lá família mãos à obra, é tempo de termos José Blanc de Portugal entre nós! Força, mas cuidado com o projecto de republicação da obra, há no mercado da edição e reedição muitos gangsters. Que bofetada de pelica
aos ressabiados de 8o!
Parece que ainda houve um abaixo-assinado a circular que continha com nomes de peso e onde era exigido ao santana a retirada da queixa, o que ele fez de rabinho entre as pernas.
O mais engraçado no meio disto tudo é que o José Blanc de Portugal adorou o episódio e contava-o como um acontecimento emocionante, uma aventura que ele adorou.
belissimo poema!
gostei de passear por aqui
Que bom ver estas pessoas como o Rui Rebelo que é pai de dois netos meus,(e este blogg) que se preocupam com a nossa grande cultura tantas vezes abandonada por quem de direito.. E traduzida por outros países! Sim, o meu pai José Blanc de Portugal foi sem dúvida alguma uma das grandes figuras da literatura e cultura do séc.XX.Tem que ser estudado como tal nas Universidades como tal e já vai sendo...lentamente!Na Califórnia já o estudam...Muitos alunos de Jorge de Sena, outro grande amigo de meu pai, muitas vezes vinham a Lisboa só para falarem com ele em nossa casa...Conheci tantos! Em breve a Imprensa Nacional vai editar a obra completa de meu pai,José Blanc de Portugal.Já estão os trabalhos em curso.Nunca me esquecerei da "minha enciclopédia primeira" como eu lhe chamava...Estava a trabalhar no Ministério da Cultura quando do episódio do "imbecil musical" tão comentado e caricaturado na nossa imprensa e que ainda hoje é comentado nos meios musicais pelos nossos melómanos! Foi divertidissimo lá em casa!O David Mourão-Ferreira chegou a pedir-me um "dossier" de imprensa sobre o assunto para fazer um comentário que não foi possível, como não lhe foi possível fazer um trabalho sobre a obra de José Blanc de Portugal - (Um paralelismo entre Fernando Pessoa,Vitorino Nemésio e José Blanc de Portugal) que ele considerava de extremo interesse.A razão foi a terrivel doença que o vitimou tão rapidamente.Espero que o espólio ainda em casa de família seja entregue á Biblioteca Nacional logo estejam reunidas condições.
No dia 13 de Maio de 2010 fazem 10 anos da sua morte que ocorreu quando da visita de João PauloII e após a benção papal em Fátima!!!Meu pai sempre disse que morreria com uma benção especial! Quero, com a ajuda do padre Peter Stillwell, do PEN CLUB, e também amigo dele..."Quem não era?"...publicar um ensaio sobre este assunto que particularmente e não só, suscitará o interesse público mundial! Que Deus me dê coragem e força para o poder fazer, uma vez que a história é muito interessante!Seria uma verdadeira homenagem e a que eu lhe gostaria de fazer!
Obrigada meus amigos
Ana Maria de Portugal Lopo de Carvalho
Pois é, desapareceu!
Desapareceu o último comentário que aqui deixei...Mas não faz mal pois os resultados vão aparecer..
Não hei-de morrer sem ver e fazer a justa e merecida homenagem ao meu pai José Blanc de Portugal!
No 10º aniversário da sua morte que se vai passar este ano(13 de Maio) vamos homenageá-lo!
Muitos são os que se querem associar.Tantos eram os amigos e admiradores!
É justo e merecido!
Homem grande e tão simples como todos os que o são...
Desapareceu o que escrevi mas não desaparecerá nunca a sua memória!
Jovens de Portugal, prometo-vos!
Ana Maria de Portugal
Gosto do poema "Camões".
Neste caso porque descreve de certa forma o que aqui estamos a constatar...
É sim, José Blanc de Portugal:
..."Poesia é só tua glória/
Eterna vida é só tua poesia"
Ana Maria de Portugal Lopo de Carvalho
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