Depois de um regresso tão emocionante do co-bloguista Fernando com confissões do seu foro artístico mais íntimo sinto que não posso ficar atrás.
Gostei particularmente da parte final do post: "o prazer de sentir as vibrações de uma viola ou de um acordeão na barriga"....."a altas horas, quando a tendência para o erotismo é uma probabilidade".
Acho que o próprio Astor Piazzolla podia ter concordado com isto. Tive o privilégio de um breve contacto por correspondência com este Mestre do Bandoneon em 1985, pouco antes de um concerto dele em Utrecht, Holanda. Só que no dia seguinte ele afirmou numa entrevista num diário nacional que "tocar o tango num acordeão (e não num bandoneon) é como lamber um gelado com mostarda em vez de chantilly", pondo assim as coisas (entre as quais este pequeno artista) nos seus devidos lugares....
Eu tinha começado a aprender tocar acordeão (como autodidacta) poucos anos antes. Completamente autodidacta também não: como adolescente tive a sorte (numa aldeia de 200 almas sem escola de música) de ter aulas de piano, mas no fim do ensino obrigatório a minha escolha foi começar estudos na Química em detrimento da Música (que não era uma opção "a sério" na altura, muito menos no meu meio social).
Lembrando me agora parece impossível, mas durante 10 anos não toquei um instrumento. A dedicação foi toda para a química ... e para o xadrez! Estive à beira de uma tentação de "profissionalização" nesta modalidade quando em 1977 me faltou meio ponto para atingir a final do Campeonato Individual da Holanda, um torneio repleto de Mestres e Grandes Mestres Internacionais.
Em vez disso fiquei desempregado na Química e comecei a "brincar" num pequeno acordeão do meu tio. Alguma coisa tinha de acontecer, pois um subsídio de desemprego na Holanda é suficiente para sobreviver mas não para manter a força de vontade. Participei em alguns workshops de música tradicional e na altura de Pentecostes 1982 decidi que tinha chegado o momento: a minha estreia como Músico de Rua. Obviamente não podia ser na minha pequena cidade na Holanda, onde toda a gente me conhecia, não, queria começar num anonimato tranquilo na cidade de Antuérpia, 40 quilómetros ao Sul, já na Bélgica.
Num domingo solarengo (soalheiro, um erro frequente... :) de Primavera atei o meu pequeno acordeão no porta-bagagens da minha bicicleta e pedalei até Flandres. Muito movimento de turistas lá: o Grande Mercado, a Praça da Sé da Nossa Senhora, a Casa Museu do pintor Rubens, não consegui decidir um lugar para a minha estreia, sentimentos de pudor e medo da exposição aos olhares e sobretudo ouvidos de toda a gente, será que valia a pena!? Afinal toquei umas músicas ao cair da noite no Parque da Cidade onde de dez em dez minutos passava um casal de namorados sem dar a mínima atenção à minha performance.
Já era tarde para voltar a casa, decidi pernoitar num banco no parque com a malinha do acordeão a servir de almofada, pois amanhã, amanhã é que ia ser....
Às quatro de madrugada acordei encharcado pelo chuvisco que já estava a cair há algumas horas. Não havia outra alternativa a não ser um regresso inglório à Holanda.
Esta foi a minha estreia como músico de rua em Antuérpia...
Mas no domingo seguinte eu estava lá outra vez e ganhei os meus primeiros 1400 francos belgas em frente à Casa Museu do Rubens. A seguir toquei quatro anos em Antuérpia e Paris antes de enveredar por caminhos que me levaram até Lisboa...
Gostei particularmente da parte final do post: "o prazer de sentir as vibrações de uma viola ou de um acordeão na barriga"....."a altas horas, quando a tendência para o erotismo é uma probabilidade".
Acho que o próprio Astor Piazzolla podia ter concordado com isto. Tive o privilégio de um breve contacto por correspondência com este Mestre do Bandoneon em 1985, pouco antes de um concerto dele em Utrecht, Holanda. Só que no dia seguinte ele afirmou numa entrevista num diário nacional que "tocar o tango num acordeão (e não num bandoneon) é como lamber um gelado com mostarda em vez de chantilly", pondo assim as coisas (entre as quais este pequeno artista) nos seus devidos lugares....
Eu tinha começado a aprender tocar acordeão (como autodidacta) poucos anos antes. Completamente autodidacta também não: como adolescente tive a sorte (numa aldeia de 200 almas sem escola de música) de ter aulas de piano, mas no fim do ensino obrigatório a minha escolha foi começar estudos na Química em detrimento da Música (que não era uma opção "a sério" na altura, muito menos no meu meio social).
Lembrando me agora parece impossível, mas durante 10 anos não toquei um instrumento. A dedicação foi toda para a química ... e para o xadrez! Estive à beira de uma tentação de "profissionalização" nesta modalidade quando em 1977 me faltou meio ponto para atingir a final do Campeonato Individual da Holanda, um torneio repleto de Mestres e Grandes Mestres Internacionais.
Em vez disso fiquei desempregado na Química e comecei a "brincar" num pequeno acordeão do meu tio. Alguma coisa tinha de acontecer, pois um subsídio de desemprego na Holanda é suficiente para sobreviver mas não para manter a força de vontade. Participei em alguns workshops de música tradicional e na altura de Pentecostes 1982 decidi que tinha chegado o momento: a minha estreia como Músico de Rua. Obviamente não podia ser na minha pequena cidade na Holanda, onde toda a gente me conhecia, não, queria começar num anonimato tranquilo na cidade de Antuérpia, 40 quilómetros ao Sul, já na Bélgica.
Num domingo solarengo (soalheiro, um erro frequente... :) de Primavera atei o meu pequeno acordeão no porta-bagagens da minha bicicleta e pedalei até Flandres. Muito movimento de turistas lá: o Grande Mercado, a Praça da Sé da Nossa Senhora, a Casa Museu do pintor Rubens, não consegui decidir um lugar para a minha estreia, sentimentos de pudor e medo da exposição aos olhares e sobretudo ouvidos de toda a gente, será que valia a pena!? Afinal toquei umas músicas ao cair da noite no Parque da Cidade onde de dez em dez minutos passava um casal de namorados sem dar a mínima atenção à minha performance.
Já era tarde para voltar a casa, decidi pernoitar num banco no parque com a malinha do acordeão a servir de almofada, pois amanhã, amanhã é que ia ser....
Às quatro de madrugada acordei encharcado pelo chuvisco que já estava a cair há algumas horas. Não havia outra alternativa a não ser um regresso inglório à Holanda.
Esta foi a minha estreia como músico de rua em Antuérpia...
Mas no domingo seguinte eu estava lá outra vez e ganhei os meus primeiros 1400 francos belgas em frente à Casa Museu do Rubens. A seguir toquei quatro anos em Antuérpia e Paris antes de enveredar por caminhos que me levaram até Lisboa...
3 comentários:
Caro Rini,
A tua história é digna de guião para cinema.
Não tivesse eu cheio de trabalho e comentaria o teu post com a atenção e o tempo que merece.
Ficará para mais tarde, após a estreia do espectáculo.
Depois de tu e o Fernando postarem sobre a vossa iniciação ao mundo da música, eu vejo-me na obrigação de fazer o mesmo. por isso quando estiver em itinerância, de hotel em hotel, terei tempo para vos revelar a odisseia que foi a minha infância no mundo das artes.
Tambem tenho o gosto pelo acordeão, e ainda nao tive o prazer de viver uma experiencia de musica de rua...adoraria!! Nao hei-de deixar de o fazer! Gostei da historia, pena nao ser possivel ouvir a musica...
Entretanto aprendi que foi um "domingo soalheiro", não um "domingo solarengo"... ;
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