13/02/2007

"Ceci n’est pas un violoncelle"


O comentário do Palhaço do Xadrez ao meu último post (BPM's...) pôs-me a pensar como ouvimos a música que ouvimos. E o que realmente ouvimos.

Eu comecei a minha história de ouvinte avariando o último gira-discos da minha irmã. Achei que na rotação máxima faria uma óptima rampa de lançamento para os objectos que eu então acreditava serem naves espaciais. (Sim, muitas Star Wars e Espaço 1999 nesta cabecinha!) Fiquei portanto proibido de me aproximar do seu rádio-leitor de cassetes. (Era um Sanyo em mono, um antecessor dos então chamados "tijolos".)

Os meus pais ofereceram-me então um daqueles gravadores de cassetes de repórter. Tão portátil quanto um objecto de aprox. 40 x 15 x 5 cm pode ser. (Se bem me lembro, novamente, Sanyo em mono.) Gravava cassetes da Sonovox (baratinhas!) e de marcas brancas (qualidade arquivo, no pior dos sentidos) colando o dito ao altifalante de 5W da televisão (passei a minha infância e adolescência em mono). Top of the Pops e outros tops que tais sempre em playback.

Mais ou menos por esta altura (10/11 anos) iniciei a minha carreira musical, logo envolvendo-me em várias tarefas: construtor de instrumentos, compositor, instrumentista e técnico de som. Construí um cordofone com algumas tábuas de madeira, parafusos e fio de pesca (cordas de Nylon, senhores!), alguns membranofones com latas de Cola-Cao e sacos de plástico esticados com elásticos (aqueles das fisgas) e juntei um pequeno número de objectos, de entre os quais me lembro de um jogo electrónico, tachos e vários recipientes. Descobri que se gravasse uma cassete, a pusesse a reproduzir num gravador e produzisse outros sons enquanto o outro Sanyo gravava o resultado, poderia sobrepor tantos sons quanto a minha sensibilidade audiófila pudesse aguentar. (Sopro? Quando é foi a última vez que ouviram uma cassete gravada nos anos 80?) Também achei que estas gravações multi-pista (2 pistas já são multi-pista?) funcionavam muito melhor na casa de banho. Felizmente para o meu percurso de músico a minha mãe foi mostrar o tal cordofone que eu construíra ao nosso vizinho do lado (tocador de viola de fado de Coimbra, acompanhou durante anos o Luís de Góis) que se prontificou a ensinar-me a tocar viola. (A que os espanhóis chamam de guitarra.) Anos mais tarde voltaria a utilizar elásticos de fisga na última encarnação da Tabula Rasa, instrumento construído por mim (http://fernandomota.com.sapo.pt/)

Mas voltando ao que ouvimos, e tentando duma só penada dar sentido ao título presunçoso deste post e fazer uma alusão pretensiosa à alegoria da caverna, quantos dos instrumentos que nós achamos que conhecemos é que alguma vez ouvimos realmente? Mesmo nós, músicos, que gozamos do privilégio de regularmente ouvir um piano ou um clarinete a dois metros (o facto de não mencionar a gaita-de-foles ou o cravo não foi pura coincidência) e que temos o prazer de sentir as vibrações de uma viola ou de um acordeão na barriga (estou a escrever isto a altas horas, a tendência para o erotismo é uma probabilidade), quantos de nós já ouviram uma orquestra de Gamelan, uma orquestra chinesa, tambores Taiko, um shakuhashi, uma harpa eólica, sem ser em disco? Para ser mais abrangente (e menos burguês), quantas pessoas à nossa volta já ouviram um violoncelo? Ali. À frente. Ou um coro… Que bonita comunhão. Vinte pessoas a cantar na sala onde estamos. Para nós.

Os 44.1 Khz a 16 bits do CD ou os 128 Kbs do MP3? Eu continuo a preferir uma posta mirandesa a um hambúrguer do McDonalds. Mas também sinto que por vezes todas estas geringonças não passam de prospectos turísticos. E bom mesmo é estar na praia.

9 comentários:

Anónimo disse...

Caro Fernando,

Deveras um percurso insólito e riquíssimo, a tua carreira na música. O meu é mais simples, já revelei algo num comentário ao post de 20 de Dezembro '06 (onde se falou entre outros de bostas de vaca com crosta fina...).
Aliás, sempre pensei que tinhas menos umas décadas de idade que eu. Mas não, parece que sou eu o mais novo. Ainda há pouco gravei uma cassete com um gravador de reporter marca "Japan" colado ao altifalante do meu televisão Philips, foi uma banda sonora de Elvis Veiguinha para uma curta metragem, uma estória de amor lindíssima no Alentejo lindíssimo.

Anónimo disse...

isto é que se chama a desforra de quem não postava há mais de um mês...
bem vindo.

Anónimo disse...

Lembras-te do meu Fostex? aquilo é que era sopro. Acho que se podia mesmo chamar de ventania...

Só uma pequena correcção. Não são os espanhois que chamam guitarra à viola. Em todo o mundo se chama guitarra, pois viola é a de arco. Os portugueses é que chamam viola à guitarra, tendo que acrescentar "de arco" quando se referem à verdadeira viola.

Fernando Mota disse...

É uma questão de perspectiva. Quando a guitarra apareceu em Espanha, já nós tinhamos as violas, não de arco, mas de "mano", de cordas duplas, antepassadas das braguesas e derivadas. Nuestros hermanos, também as tinham, mas lá caíram em desuso. Logo a única viola para eles é a de arco e guitarra o cordofone de seis cordas, que depois se espalhou pelo mundo inteiro. Nós, por outro lado, temos a guitarra portuguesa (a de Coimbra e a de Lisboa), as violas portuguesas (braguesa, amarantina, toeira, beiroa, campaniça, de S. Miguel e da terra - Terceira, para não falar das derivadas violas de arame dos PALOPS e do Brasil) e a viola de fado, ou à falta de melhor, guitarra clássica, para a distinguir da portuguesa. A tal a que os espanhóis chamam simplesmente de guitarra. E os brasileiros de violão. Mas estas discussões são interessantes e a elas voltaremos. Para já deixo um sítio (a que os anglófonos chamam de "site") que poderá esclarecer algumas destas questões: www.attambur.com

Anónimo disse...

olhe que não sô tor, olhe que não.

A palavra guitarra vem do grego khetara ou khitara que também deu origem à palavra cítara e outras difundidas pelo império bizantino, mas sempre com a designação de instrumento de corda beliscada, que é a sua origem etimológica. Cíthara do latim, com pequenas variações na maior parte das línguas modernas (Guitar, Guitare, Gitarre, Chitarra, etc.)

os espanhois é que nos confundiram pois enquanto no resto da europa as vihuelas eram instrumentos de corda friccionada os espanhois chamaram (a partir do sec XVII) violas a instrumentos que se deveriam chamar guitarras, pois eram de corda beliscada.
Ora, parece que nós importámos o termo e enquanto os espanhois no sec XIX voltaram à forma inicial nós mantivemos o a denominação alterada de viola e os brasileiros e palops a reboque.

Claro que os historiadores e musicólogos não partilham todos da mesma opinião pois não fazem ciência exacta, por isso a discussão não leva a lado nenhum.

Anónimo disse...

Esse toque de telemovel hmmmmm, terei que reflectir anos para poder comentar de forma no minimo estranha...

indigente andrajoso disse...

é como ver arquitectura a partir de revistas... são meras imagens...

entretanto os intrumentos e as gravações

recentemente descobri umas cassetes do meu inicio de pubredade, cassetes que gravava em casa, ora com microfones roubados das maquinas de filmar do meu pai ora com auscultadores

no meio delas estavam uma experiencia em que ligava dois radios em onda longa e divertia-me a mudar cirurgicamente as bandas... interessantissimo

o sistema de gravação tornou-se portátil quando a maquina de filmar do meu pai incluia gravador de cassetes, passei a usar o gravador vhs portátil á tira-cola, que ficou sem uso

tambem andava a brincar com as cordas e as membranas, até que me meti numa cena a sério... saiu o antago

um instrumento de 27 cordas e 3 cabaças.
tem a dimensão de um violoncelo e 3 cordas "mestras" que vão desembocar a 3 caixas de ressonancia (cabaças) que por sua vez estao ligadas 24 cordas que se tocavam dedilhadas ou em simpatia com as 3 grandes

está entre o berimbau, o violoncelo e a sitara...

desculpa la este comentario imenso...

indigente andrajoso disse...

fiquei entusiasmado...

aqui esta uma musica com a primeira versão do antago, só com uma corda

http://download-v5.streamload.com/3b95177f-f93d-4574-ab9a-b1479fd951a8/indigenteandrajoso/Hosted/03%20conspiracoes.mp3

Anónimo disse...

ficou registado