16/12/2009

Prenda de Natal 1987


No ano passado foram oferecidas neste blogue variadíssimas prendas de Natal (http://anacruses.blogspot.com/2008_12_01_archive.html ): votos de Obama, sonhos de Natal, vídeos de publicidade "Wonderbra", um presépio enternecedor.
Neste ano o Rui já nos ofereceu uma linda canção e eu encontrei uma bela curta-metragem.

And now for someting completely different...
Os comentários ao post "Exclusivo" (13 de Dezembro) fizeram-me lembrar a minha primeira prenda de Natal em Portugal: um pequeno livro de Benjamin Péret (pseudónimo: Satyremont), poeta surrealista e agitador cultural na primeira metade do século XX, editado por Edições Antígona.
Encontrei esta obra controversa (imagem) em Dezembro 1987 numa livraria, com uma faixa a dizer "A sua prenda de Natal", uma capa bastante sugestiva (ilustrações de Yves Tanguy) e um preço muito acessível.
Tratava-se da reedição em português de "Les Rouilles Encagées / Les Couilles Enragées". A "contrepèterie" ("spoonerism" em inglês, não sei como se chama esta troca de sílabas em português) perdeu-se na tradução: "Os Tomates Enlatados / Os Colhões Enraivecidos".

As primeiras páginas do livro despertaram imediatamente a minha curiosidade:
- capa: Benjamin Péret - Os Tomates Enlatados (Les Rouilles Encagées), uma tentativa de ludibriar a censura (publicado em 1954, ver também - pág. 3);
- editorial na contracapa: "Esgotados Os Tomates... há algum tempo no nosso país, Antígona vê agora necessidade de apresentar a segunda edição.
Actual na acutilante defesa dos costumes, do bom senso, dos padres ("Apalpai-nos senhor as nossas nalgas"), este livro suscita no leitor um desejo mais forte de reencontrar a castidade, às vezes perdida, da antiga vadiagem. Porque o puritanismo desperta no homem o sentido de ordem para depois se poder abandonar livremente à pulsação libidinal de cada instante (ah, ah, ah, ah, ah).
Péret soube - como diria Raoul Vaneigem - criar um mundo de contralinguagem acessível às crianças e aos sonhadores impenitentes, um mundo que necessita da revolução social para a todos revelar naturalmente a sua banalidade."
Novembro 1987
- pág. 3: Benjamin Péret (Satyremont) - Os Colhões Enraivecidos (Les Couilles Enragées, título da obra original, publicada em 1928, mas logo apreendida pela polícia);
- pág. 5: fotografia de Benjamin Péret, insultando um padre;
- pág. 7: "Já agora"..., seguido por uma oração de conteúdo erótico que não será reproduzida neste espaço (é Natal...), mas é fácil de encontrar na net;
- etc. etc.

Ou seja: mal chegado a Lisboa, instalado num ambiente a condizer com a sua condição (uma mansarda de seis metros quadrados), este músico de rua iniciou-se logo num vernáculo obsceno/escatológico de fazer corar as pedras da calçada, em vez de começar a aprender o português "como deve ser".
Realmente uma prenda de Natal diferente, visto da perspectiva duma educação católica eu diria quase: uma prenda "auto-infligida", do género "Ai como eu sofro, mas tenho que ler isso!"

4 comentários:

Pedro Fiuza disse...

bela prenda... também deveria oferecer-me um livro obsceno a mim mesmo neste natal. já me imagino, ali, em frenta à lareira, na aldeia, com a família... e a avó pergunta: que estás a ler, meu filho? e eu: nada avó, um livro de história... um livro de história... depois seguia para a missa do galo e quase me sentia elevado. ai ai é bom sonhar... este teu post deixou-me espiritual.

Rini Luyks disse...

Bonito, Pedro, eu sabia que o teu comentário não tardaria a chegar.
Fico reconfortado em saber que também és bom católico...

Pedro Fiuza disse...

juntos salvaremos o mundo das almas puras...

Rini Luyks disse...

...gloria in excelsis deo...