Folheando mais para trás no meu portfólio curricular das últimas décadas (bom passatempo em época de canícula) encontrei estas páginas (imagens aqui acima, clicar para ampliar), um pequeno registo da minha primeira viagem a Barcelona no Inverno de 1984.
Nessa altura comecei a entrar num processo de separação da pátria: estava no desemprego na área da Química e (certamente também por causa disso) comecei a descobrir os encantos da vida do músico de rua viajante. Nos anos anteriores já tinha passado grande parte do Verão em Paris, em 1985 estive em Veneza e Florença, em 1986 fui para Lisboa e cá fiquei!
Aqui acima, à esquerda os bilhetes dos meios de transporte da viagem em 1984 (não me perguntem porque os guardei):
- comboio Antuérpia - Gand;
- "Taxistop" Gand - Barcelona, uma ideia genial (não sei se ainda existe), um tipo de "last minute booking", não para aviões, mas para (auto)carros com lugares vagos, a tarifa era um franco belga (cinco escudos) por quilómetro; no entanto, desta vez houve um pequeno contratempo: o autocarro tinha como destino Benidorm e quando chegámos aos arredores de Barcelona, lá pelas quatro horas da madrugada, o motorista recusou-se a parar, só após um pagamento extra de 150 francos ele deixou-me sair, francamente...;
- passeio rural de autocarro entre Barcelona e Gerona, pelo caminho toquei em frente à escola primária da aldeia San Jordi, as crianças repararam no acordeão e gritaram "Toca, si us plau!", pedido irrecusável;
- comboio Gerona - Cerbere (fronteira espanhola/francesa);
- comboio para Perpignan (onde chovia torrencialmente) e logo a seguir para Montpellier, onde passei uns dias agradáveis de Primavera antecipada;
- outro "Taxistop" Montpellier - Lille(!), 1000 km. num Citroën de luxo, fantástico, a seguir comboio para casa, pelos vistos perdi os registos destas últimas viagens.
Em Barcelona não consegui grande coisa como músico de rua: a Guardia Civil, ainda com as fardas e os modos de agir da época franquista, não me deixou tocar nas Ramblas e nos estreitos "carrers" não se ganhava muito. Por outro lado, eu não tinha a noção que a minha "bata" de músico/vagabundo (polaroid na imagem à direita) que funcionava tão bem nas minhas actuações em Antuérpia, podia não ser o visual mais adequado em Barcelona... assim aprendemos sempre alguma coisa.
Como consequência estive lá hospedado numa pensão muito "simples", acho que foi perto do bairro portuário de Barceloneta, 250 pesetas por noite, consegui 1400 por semana, refeição típica "room service": pão, queijo, azeitonas, vinho de mesa.
E às vezes, quando voltava ao fim da tarde com o acordeão nas costas, eu ouvia o assobio de uma "guapita", a chamada de uma sereia profissional lá do bairro. Pois, para isso não dava mesmo...