A publicidade à volta do novo álbum "Terra" (título abrangente) da fadista Mariza começa a assumir contornos quase religiosos, para não dizer messiânicos. No suplemento "Ípsilon" do jornal "Público" de 20 de Junho foi tema da capa com grande destaque: sete páginas, quase um metro quadrado de papel em tons de preto, cor-de-púrpura e vermelho com três imagens da cantora em formato A3.
Como estrangeiro não me atrevo a pronunciar-me sobre o fenómeno "Fado" (simplesmente não o compreendo). Não questiono as qualidades vocais da fadista Mariza (mas sempre achei a voz polida e fria, não gosto do "r" muito rolado da "Rrrosa ao peito", gosto mais de vozes quentes como Camané ou Mísia e que tal um fado com uma voz tipo Rufus Wainwright ou, melhor ainda, Tom Waits!?), mas questiono sim o circo mediático à volta da sua presença que parece estar a ultrapassar a sua própria pessoa (ou "persona", como diz o crítico do "Público"). Aparecem frases como: "Sinto-me como um veículo que transporta a cultura, a história e a música de um povo" e "A palavra verdade está presente em tudo o que faço" ("Metro", 16 de Junho) e em consequência: "Deixei de ter vida privada, há pessoas que passam para o segundo plano, à frente está a música, com a projecção global já não há margem para erros" (suplemento "'Ipsilon").
Isto é de arrepiar e tem pouco a ver com a Mariza da Mouraria, parece-me.
Será que o "Gato Fedorento" foi profético no sketch "Super Mariza" do ano passado, a ver em http://www.youtube.com/watch?v=IW5JpH2gkwA !?
(foto: Pedro Elias - "Público")
11 comentários:
Perfeitamente de acordo, caro Ruini Luyks, sobre a excessiva 'marização' da música portuguesa e do fado.
Gosto de fado, gosto da Mariza, da voz e da sua interpretação, gosto de música portuguesa, mas a indústria, ah sim, o que estão a fazer da Mariza e no que ela se está a tornar incomoda...
Incomodam-me, sempre, pessoas que se convencem que para lá deles nada mais existe.
A ortografia "Ruini" ocorreu de certeza por intervenção sobrenatural, caro Carlos.
O Cardeal Camillo Ruini foi até a semana passada o Vigário de Sua Sanita...uh Sua Santidade Papa Bento XVI para a Diocese de Roma!
Sabe Rini, aquela sensação de enjoo, de que as entranhas se reviram( claro que elas se reviram sem nós querermos senão...estavamos nuertos!), quase quase a chega-nos à boca e deixar sair um impropério(tipo f.., m.., pqp!)? é assim que o meu eu(físico e "self") vêem e sentem a música da Mariza.
Haja paciencia para a ouvir(ainda!) e mais para ver a cara dela exposta em tudo( ah! vou verificar o meu toillet paper...que isto da pub bem montada nunca se sabe!!!)
O Camané, a Aldina Duarte,a Mísia...já os imaginou com uma "machine publicitaire" como esta? Até na rádio se ouviria :(
Rini
aqui está o limk para o artigo "fantabulástico"/aeiou.expresso.pt/gen.pl?sid=ex.sections/23491
Outro abraço!
Cara Maria Velho,
A isto é que se pode chamar um comentário visceral, mais visceral até do que o conteúdo do meu post!
O que me irritou também nas sete páginas do "Ípsilon" (Público de 20 de Junho), foi a atitude de benevolência, para não dizer condescendência, de alguns comentadores. O fadista João Braga conta como Mariza ficou "melindrada" com ele, quando ele chamou a ela "uma belíssima entertainer"; o musicólogo Rui Vieira Nery "desconfia de quem canta só com os intestinos - um grande artista tem de ter intestinos mas também muita inteligência".
Acerca de um possível exagero no discurso de Mariza sobre o papel dela como "veículo da cultura portuguesa", os comentadores consideram que "é natural em quem está tão exposta".
Há quatro anos, precisamente no dia 7 de Julho 2004, fiz com a saudosa Bigodes Band (música de Nino Rota para bandas sonoras de filmes de Fellini) um género de primeira parte do concerto de Mariza, num palco vizinho nas Festas do Almonda em Torres Novas.
Depois dos concertos houve ceia para ambos os crews e o nosso "Bigode" mais atrevido, o clarinetista Luís, decidiu abordar a Marisa. Ponto comum era o Grupo Desportivo da Mouraria (as raízes dela e o nosso local de ensaio). A verdade é que não reconheço na Mariza de agora a mulher que veio ter uma pequena conversa amigável connosco em Torres Novas em 2004...
Rini
sabe que eu sou uma analfabeta em música...mas sei o que gosto de ouvir!
e quando apareceu este fenómeno chamado Mariza, eu que nunca entendi o mito/ fado da Amália, fiquei um pouco irritada com as analogias estabelecidas...tudo bem! canta bem, tem uma voz agradável, uma personagem bem criada...mas endeusá-la é que eu nao consigo aceitar, e não aceito!
que me desculpem os musicólogos( menos o Nery que quase disse a mesma coisa no Camara clara da semana passada!), os experts, os fãs, os amantes do mundo dos shows mas eu não contribuo com um centimo sequer para a compra de um dvd dela! e sabe, Rini...é tipicamente português( e nem que viva 100 anos e mais um dia aqui em Portugal vai compreender plenamente!): o sucesso torna as pessoas noutras pessoas. Bem diz o nosso povo: não sirvas a que serviu, não peças a quem pediu.
Um abraço ( mais outro)
Rini,
Estou (parcialmente) de acordo com o teor do teu "post".
No entanto, penso que há aqui duas coisas a distinguir: uma é o valor íntrinseco da Mariza, independentemente de gostarmos dela e de fado, ou não; outra, é a "máquina" (mais internacional do que nacional) que descobriu aqui um produto vendável e que não hesita em explorar o "filão".
Até à morte da Amália não havia ninguém na área do fado com a projecção internacional da "diva". A nova geração de fadistas (iniciada com Mísia e Camané) só viria a afirmar-se neste século e muito por causa do fenómeno "worldmusic" que ajudou a popularizar músicas mais tradicionais e menos "mainstream". Foram os holandeses (editora "WorldConnection" de Amsterdão) que "descobriram" a Mariza e a editaram globalmente. Foram os ingleses (BBC e Jools Holland) que a divulgaram no mundo anglo-saxónico. A partir daqui a história é conhecida: prémios e mais prémios, dezenas de concertos nas salas mais prestigiadas do Mundo e um milhão de discos vendidos em 7 anos. Que culpa tem a Mariza deste sucesso mundial?
Outra questão, é o endeusamento de que Mariza
é alvo e que Portugal tenta capitalizar - fazendo dela a "embaixadora" da nossa cultura, um pouco como Mourinho ou Ronaldo - em detrimento de outros valores nacionais. Para o bem e para o mal, a Mariza tornou-se a "bandeira" da música popular portuguesa no estrangeiro e a "industria" segue a tendência do mercado.
Claro que nós sabemos que há mais pessoas com valor e, provavelmente, melhores do que ela no género musical que é o fado. Isso é o nosso gosto (sim, o Camané é melhor fadista!), mas o Camané não vende no estrangeiro: é homem, não fala línguas, não dança nem bate palmas. Um "handicap".
O (desastrado) filme do Saura, ainda mais contribuiu para esta imagem de promoção do "glamour" em detrimento da veracidade. Mas, se ela poder contribuir para abrir portas a outros valores do fado, então aproveitemo-la!
Pessoalmente, acho que ela é uma excelente cantora e uma excelente "performer". O que não é a mesma coisa que dizer que é a minha fadista preferida.
errata: se ela puder...(e não poder).
Obrigado, Rui, para esta informação extra.
É verdade que a Mariza começou a carreira na Holanda. Lembro-me que à volta do ano 2000 o meu irmão na Holanda ficou muito admirado que eu não conhecia a Mariza!
Claro que os gostos não se discutam, só espero que a "máquina" do produto Mariza não se transforme numa máquina trituradora para ela própria (aqueles sinais nas entrevistas de uma dureza auto-infligida...).
errata: os gostos não se discutem... (e não: discutam)
Se os gostos não se discutissem... não havia discussão... rs
E aquilo que me impressiona no meio disto tudo é ainda dizerem que a criatura tem uma voz linda (...)! Esta rapariga, simplesmente, não sabe cantar!!!
E quanto à voz, ainda não pereceberam que aquilo é artificial?! Hoje em dia já há computadores que cantam melhor...
Fazendo um esforçozinho, o melhor que consigo dizer da Mariza é que ele é exótica, ficando até com dúvidas sobre se é terrestre ou extra-terrestre.
Deploro que se confunda a palavra cultura (portuguesa) com Mariza que, pessoalmente, acho menos autêntica do que esses cromos que cantam a chamada música pimba. A esses, eventualmente, ainda lhes acho piada. À Mariza nem isso... Pq haveria de a ouvir se há vozes verdadeiramente tão interessantes (muitissimo melhores que a dela) quer na canção ligeira portuguesa quer no próprio fado?!...
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