Há pouco mais de uma semana, Américo Rodrigues, director do Teatro
Municipal da Guarda desde a sua fundação, há oito anos, foi sumariamente
afastado dessas funções pela câmara municipal de que é funcionário.
Não houve uma conversa
antes da demissão abrupta, não houve um agradecimento por um trabalho
ímpar, sustentado, sério. Como fraco pretexto, uma conferência de
imprensa que marcou para prestar esclarecimentos que, como dirigente
público, eram um direito mas, principalmente, um dever. Esclarecimentos
necessários porque o novo presidente da Câmara Municipal da Guarda
entendeu ser útil emitir dados errados e lançar insinuações graves sobre
a instituição que agora tutela e sobre aquele que até agora a dirigia.
Este
caso do Teatro Municipal da Guarda é duplamente exemplar: num primeiro
tempo, pelo trabalho desenvolvido pela sua direcção; agora, pelo
trabalho destruído.
Sobre a facilidade com que um capricho pessoal
se sobrepõe ao interesse público, não houve do Governo qualquer reacção
– já a acção parece definitivamente arredada do horizonte de quem se
dispõe governar a cultura. Nesta falha, os governos sucedem-se.
Nos
últimos quinze anos, foram inauguradas dezenas de teatros e centros
culturais públicos, sob o desígnio de dotar o país de infra-estruturas
que pudessem descentralizar a cultura e agir como suporte do tecido
artístico nacional. Ainda não resultou, não deixaram que resultasse.
Hoje
temos um conjunto de edifícios parcialmente esvaziados a que
maioritariamente não corresponde um projecto, uma programação (que muito
se confunde com uma agenda), uma equipa ou uma direcção artística – com
a necessária autonomia do poder político. Há um sistema que precisa de
ser mudado, há um conjunto de boas práticas há muito definido a que tem
de ser dada a força da lei. As estruturas públicas de cultura não podem
continuar reféns da total arbitrariedade dos poderes locais nem
abandonadas pelos governos que estimularam a sua criação em nome de uma
política nacional.
Empobreceram-nos para que nos entretivéssemos a
sobreviver ao dia seguinte, e apenas a esse, porque o futuro foi
decretado como uma extravagante hipótese. E, no entanto, não são raros
os momentos neste país que nos mostram que a asfixia da cultura não é
apenas financeira, é sobretudo ética. Não parece haver princípio, regra
ou palavra que o presente garanta. A arbitrariedade impera.
Os
governos têm de assumir a sua responsabilidade, apoiando os teatros
municipais, mas exigindo em contrapartida que a acção de cada um desses
espaços passe por uma direcção e um projecto artístico escolhidos por
concurso e com uma autonomia claramente delimitada. A legítima
supervisão por parte do poder político não pode continuar a ser
substituída por interferências abusivas na programação, por nomeações ou
destituições sem justificação ou pelo estado de abandono a que estão na
prática submetidos muitos destes equipamentos.
Quem proclama a
necessidade de uma infra-estrutura cultural para o país tem que exigir
que a esta corresponda uma ideia de cultura e não uma rede de garagens
de espectáculos de acção inconsequente.
Nada há nesta exigência de
impraticável, nem se perfila qualquer atentado à autonomia do poder
local. Há apenas uma ideia de simples execução e de urgência
indisfarçável, a bem das populações e respeitando todos os que trabalham
diariamente pela criação e difusão culturais.
O discurso de
austeridade cega que hoje corrói a sociedade apoia-se na crise mas não
em dados que justifiquem esta resistência em definir uma política que vá
além de uma envergonhada, ineficaz e insuficiente distribuição de
fundos.
Visão não é construir uma rede de edifícios. Visão é
assegurar, por uma fracção do investimento, que em cada um se cumpre uma
missão legítima e consequente.
Perdeu-se demasiado tempo.
Perderam-se demasiadas oportunidades, projectos, talentos, públicos.
Muito do que se perdeu não será recuperado, mas exigimos um fim para
este caminho falhado.
Jorge Silva Melo (Artistas Unidos),
Pedro Jordão (ex-director artístico do Teatro Aveirense),
Miguel Seabra (Teatro Meridional),
Sérgio Godinho (músico),
Bruno Bravo (Primeiros Sintomas),
Rui Rebelo (músico),
Jacinto Lucas Pires (escritor),
Nuno Pino Custódio (ESTE),
Diogo Infante (actor),
Isabel Abreu (actriz),
Gonçalo Waddington (actor),
Aldina Duarte (fadista),
Francisco Frazão (Culturgest),
José Neves (actor),
Natália Luiza (Teatro Meridional),
Jorge Andrade (Mala Voadora),
José Luís Ferreira (São Luiz Teatro Municipal),
Tiago Rodrigues (Mundo Perfeito),
João Garcia Miguel (JGM),
António Câmara Manuel (Duplacena),
Olga Roriz (coreógrafa),
André Fernandes Jorge (Livros Cotovia),
João Brites (O Bando)