28/07/2013
03/07/2013
Carta ao Provedor de Justiça
Lisboa, 3 de Julho 2013
À sua excelência o Provedor
de Justiça Alfredo José de Sousa
Exmo. Senhor,
O meu nome é Marinus (“Rini”)
Luyks, holandês, há mais de 20 anos radicado em Portugal, trabalho aqui como
músico (acordeonista), actor e educador, sempre em regime de trabalhador
independente a recibo verde.
No passado dia 31 de Maio tive
o prazer de escutar na Antena 1 a sua entrevista com a jornalista Maria Flor
Pedroso. Gostei da sua escolha musical para o inicio do programa “Portugal
- Fado tropical” do saudoso cantautor
Georges Moustaki.
http://www.youtube.com/watch?v=IRqsnI7vpcw “Os amanhãs que cantam e que estão calados…”, foi o seu comentário e não posso concordar mais.
Com interesse também tomei conhecimento
das suas recentes intervenções:
referência na imprensa no dia
18 de Maio 2013 http://www.publico.pt/politica/noticia/provedor-de-justica-sugere-alteracoes-ao-codigo-contributivo-para-trabalhadores-independentes-1594799
- “Provedor de Justiça
escreve à Presidente da Assembleia da República alertando sobre ausência de
colaboração do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”
http://www.provedor-jus.pt/?idc=32&idi=15253
referência na imprensa do dia
1 de Julho 2013
http://www.publico.pt/economia/noticia/provedor-de-justica-queixase-do-ministerio-das-financas-ao-parlamento-1598853
Antes de continuar (se me
permite) queria deixar uma pequena nota prévia: a redacção desta carta poderá
facilmente dar a impressão de ser um “patchwork” verbal, uma manta de retalhos.
Esta impressão está correcta.
Hoje em dia, um profissional independente na minha posição, sobrevivendo com os trabalhos de “migalhas e biscates” que a crise no sector da cultura ainda permite, nunca sabendo em que estado (económico, anímico, psíquico) ele vai chegar ao fim do mês, tem às vezes dificuldade de manter a coerência nas linhas de pensamentos e isso pode reflectir-se na escrita. Peço a sua compreensão….
Retomando, cheguei a Lisboa
no inverno de 1986, na qualidade de turista, mas muito interessado nas
conquistas de Abril, nomeadamente na área da dinamização cultural. Na
universidade de Nijmegen (Nimega) na Holanda, onde estudei nos anos ‘70, encontrei
num centro de documentação uma publicação (diário de viagens) com referência à
uma rede “Era Nova - núcleos de dinamização cultural” em Portugal. O núcleo de Lisboa
tinha como morada Rua de São Bento 672. Visitei este lugar em Janeiro 1986,
havia lá um coro com repertório de Fernando Lopes Graça, foi a primeira vez que
cantei em português.
No verão seguinte voltei a
Portugal: em Agosto 1986 trabalhei com mais uma mão cheia de compatriotas durante
duas semanas na Cooperativa 1º de Janeiro, perto do Monte da Casa Branca (Alcácer
do Sal). Existia esse intercâmbio cultural, promovido pelo Grupo de Apoio à
Reforma Agrária na Holanda (Steungroep Landhervorming Portugal), hoje em dia pode
parecer inacreditável, mas esse grupo existiu mesmo!
O nosso dia de trabalho no
Alentejo acabava ao meio dia, o resto do dia era dedicado ao descanso e
convívio, à boa maneira alentejana.
Houve um “incidente” no dia
de despedida: era de praxe a preparação da refeição final ser da
responsabilidade dos visitantes holandeses. No entanto, a atitude assumidamente “vega” de alguns nórdicos preocupava os anfitriões. Receosos duma mesa cheia de tartes de legumes, eles prepararam no segredo uma dúzia de galinhas no espeto!
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Após esta introdução algo
saudosista chego ao assunto desta carta que na minha opinião pode ser
considerada tanto uma queixa como um desabafo:
As consequências dramáticas do actual regime de
contribuições à Segurança Social para um trabalhador independente na minha
condição.
Em 1992 tomei a decisão de
legalizar a minha estadia em Portugal (“legalização extraordinária de 1992”),
actualmente tenho cartão de residência permanente, válido até 11 de Julho 2018.
Em 1993 inscrevi-me na
Segurança Social como trabalhador independente.
Tenho exercido as seguintes actividades
(códigos actuais):CIRS 2010 - artista de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão
CIRS 2013 - músico
CAE 85510 – ensino recreativo e desportivo
CAE 85592 – ensino escolas de línguas
(última alteração 10-12-2012)
Ao longo dos últimos 20 anos
tenho trabalhado em Portugal:
- na qualidade de
músico/actor: com grupos de teatro, fundações de solidariedade social,
associações culturais, agências de espectáculos;- na qualidade de docente de neerlandês: em escolas de línguas,
- na qualidade de treinador de xadrez: no Plano Desenvolvimento Xadrez do Pelouro de Desporto da C.M. de Lisboa.
Queria destacar alguns trabalhos
em lugares menos convencionais.
No ano 2000 recebi o galardão Monitor do Ano das mãos da Vereadora de Desporto da C.M. Lisboa e de Yuri Averbach, o mais velho Grande Mestre Internacional de Xadrez ainda vivo;
- em Dezembro 2009 colaborei
como actor/músico no espectáculo de teatro “O Peso das Razões” – comemoração do
bicentenário do nascimento de José Estêvão (texto Nuno Júdice, encenação Jorge
Silva Melo, companhia Artistas Unidos), apresentado na Biblioteca da Assembleia
da República;
- durante mais de sete anos
(entre 2004 e 2011) fiz parte do grupo de músicos/dinamizadores na “Hora da
Música” do “Dia do Gil” da Fundação do
Gil, um projecto de interacção musical com crianças em pediatrias de mais de 25
hospitais em todo o país.
É um trabalho altamente
qualificado e exigente, tanto fisicamente como psicologicamente, ao mesmo tempo
muito gratificante em termos humanos. O nosso grupo teve uma formação especializada e contínua em workshops nas áreas da pedagogia e musicoterapia.
Nomeadamente nos últimos anos
(2008-2011) este trabalho na Fundação do Gil representava 70- 80% da minha
actividade profissional.
Foi por isso um rude golpe quando
no verão de 2011 nos foi comunicado que o projecto tinha de acabar de imediato
por falta de verbas e que a equipa ia ser dispensada (não despedida, pois nunca
fomos contratados, trabalhando mais de sete anos a recibo verde para uma mesma
entidade patronal!), quando ainda poucos meses antes a Fundação tinha garantida
a sustentabilidade financeira do projecto. Caso paradigmático: a “sustentabilidade financeira” do projecto estava garantida por protocolos com entidades patrocinadoras, mas quando a economia piorou, os patrocinadores deixaram de cumprir os protocolos.
A Fundação do Gil preferiu não levar os casos a tribunal para não beliscar o bom relacionamento com os patrocinadores…
Até aquela altura (entre
1993 e 2011) sempre cumpri escrupulosamente as minhas obrigações fiscais (no
meu caso declarações e liquidações IRS e pagamentos Segurança Social).
Mas na primavera de 2011 tive
um primeiro desentendimento sério com os Serviços da Segurança Social…
Acontece que felizmente até
hoje e apesar dos efeitos psicológicos e psicossomáticos da chamada “crise”
continuo abençoado com uma robusta condição física, circunstância que me
permite reduzir ao mínimo as visitas a médicos e hospitais.
No entanto, em Março 2011 fui
derrubado por uma "Infecção pulmonar importante" (veredicto do médico):
“Claritromicina: uma bomba química que me foi
prescrita na segunda-feira passada após seis horas na Urgência do Hospital de
Curry Cabral (quatro horas de espera, a seguir duas horas de tratamentos e
análises, o atendimento possível ao utente precário).
“Causa: overdose de trabalho musical com crianças em pediatrias, 5
semanas seguidas com 20 e tal actuações em 15 hospitais diferentes, cada um com
o seu próprio e único ambiente de micro fauna e flora... sim, é tentar o Diabo,
mesmo assim uma tremenda injustiça, acho.Para evitar efeitos colaterais tipo "sobreaquecimento do sistema" entram ainda em combate os aliados Brufen e Paracetamol.
Gemidos de protesto dos órgãos digestivos Stomachus (Estômago) e Iecur (Figado), mas tem que ser, tem que ser...”
Na mesma altura entrou em
vigor “em 1 de Janeiro 2011, o Código dos
Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado
pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, (onde) foram introduzidas importantes
alterações ao regime de segurança social dos trabalhadores independentes” (texto
carta que recebi da parte dos Serviços da Segurança Social no mesmo mês de
Março 2011).
Fiquei parvo, segundo os meus cálculos com as alterações ia pagar menos em 2011…
- “Não acho muito justo, isso!”
- “Mas agora vai ter protecção na doença”.
- “Só após o 30º dia da doença!”
- “Ah, pois…”.
E acabou a conversa.
Eu podia ainda dizer que já estava dez dias de baixa
por causa duma broncopneumonia, que paguei taxas moderadoras e tratamentos na
urgência, que não tive comparticipação nos medicamentos prescritos, que perdi
os rendimentos de vários trabalhos neste período. Ou seja, que a Segurança Social não me serviu para nada até agora.
O chamado “período de espera” (à espera de quê?
perversidade requintada…) de 30 dias antes de ter direito à protecção na doença
coaduna-se perfeitamente com as citações premonitórias no trailer do filme
“Zeitgeist – Moving Forward”
Mas será que o funcionário carrancudo ao balcão queria
saber disso?Por isso desenhei apenas um sorriso amarelo: “Obrigadinho”.
Na primeira página: uma enumeração de obrigações e ameaças em caso de não cumprimento, entre as quais o registo obrigatório dos meus dados no site Segurança Social Directa o que vai permitir, junto com o registo dos mesmos dados no site das Finanças, o tão desejado Cruzamento de Dados, já há décadas em vigor no resto da Europa, um atraso que constitui sem dúvida uma das principais razões da impunidade da corrupção e da fuga aos impostos neste país.
Na segunda página: informação complementar.
“Com a entrada em vigor, em 1 de Janeiro 2011, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, foram introduzidas importantes alterações ao regime de segurança social dos trabalhadores independentes, de que se salientam as seguintes:
a) Passa a existir um único esquema de protecção social que garante a protecção na doença a todos os trabalhadores independentes;
(sim, mas só após o 30º dia da doença!)
b) A alteração da taxa contributiva para 29,6% a partir do mês de Janeiro de 2011. Até Outubro 2011, a base de incidência contributiva de 2010 mantém-se, só mudando as taxas contributivas;
c) O pagamento das contribuições passa a poder ser efectuado até ao dia 20 do mês seguinte à aquele a que respeita;
d) A Base de Incidência Contributiva será fixada anualmente, no mês de Outubro e produzira efeitos nos 12 meses seguintes. Esta é determinada por referência ao duodécimo do rendimento relevante, que corresponde a 70% do valor total de prestação de serviços e a 20% dos rendimentos associados produção e venda de bens do ano civil imediatamente anterior à data da sua fixação. O rendimento relevante é apurado pela Segurança Social com base nos valores declarados para efeitos fiscais.
Exemplo de determinação da Base de Incidência Contributiva (regime simplificado)
- Prestação de serviços em 2011: 13.000 euros.
- Rendimento relevante: 70% x 13.000 = 9.100 euros
- Duodécimo: 9.100/12 = 758,33 euros
- % IAS: 758,33/419,22 = 1,81
- Escalão determinado por conversão do duodécimo = 1,5 IAS [Indexante dos Apoios Sociais] (628,83 euro, 2º escalão)
- Base de incidência contributiva (escalão imediatamente inferior = 1 IAS (419,22 euros, 1º escalão)
- Valor da contribuição para a Segurança Social: 124,09 euros.
e) O trabalhador independente, prestador de serviços a pessoas colectivas ou pessoas singulares com actividade empresarial, é obrigado a declarar à segurança social, em relação a cada uma das referidas entidades, o valor total das vendas realizadas e o valor total dos serviços prestados no ano civil anterior. O trabalhador independente é ainda obrigado a declarar o valor total das vendas realizadas e o valor total dos serviços prestados a pessoa singular sem actividade empresarial, no ano civil anterior.
O primeiro ano em que os trabalhadores independentes terão de apresentar a referida declaração será em 2012 (até dia 15 de Fevereiro), referente ao ano 2011.”
Em 2011 a minha taxa de contribuição vai ser 29,6% do mesmo escalão mais baixo "por opção" 1,5 x IAS = 186,13 euros.
Se o novo regime já fosse aplicado em 2011 não só com agravamento da taxa (em 4,2%!), mas também com determinação da Base de Incidência como calculada no exemplo aqui acima sob ponto d), a minha contribuição mensal seria 124,09 euros.
Uma diferença de 62,04 euros por mês (e ainda um agravamento de 26,41 euros em relação à minha contribuição em 2010).
http://anacruses.blogspot.pt/2011/03/war-zone-ii.html
Exmo. Senhor Provedor,
Para abreviar esta história
desencantada: desde 2011 não tenho conseguido pagar as contribuições à
Segurança Social, exigidas por lei, por causa da escassez de trabalho nas
minhas áreas (cultura e educação).
Um exemplo: em Janeiro 2012
trabalhei duas semanas no Teatro da Trindade (espectáculo “As ruas são tão
tristes…” )- http://anacruses.blogspot.pt/2012/01/as-ruas-sao-tao-tristes-precisam-de_04.html
- http://anacruses.blogspot.pt/2012/01/as-ruas-sao-tao-tristes-fotos-do-elenco.html
Vencimento total (com recibo
verde): 113 euros…
Como é que posso pagar com
este vencimento uma contribuição de 186 euros por mês à Segurança Social??Na minha opinião falta aqui claramente uma legislação que contempla a capacidade financeira do contribuinte na actual situação económica (relação contribuição/ rendimento efectivo).
Os Serviços da Segurança Social já me aconselharam fechar actividade em época
de baixos rendimentos. Além de ser um “truque”, isso também não resolve a minha
situação: actualmente estou a dar aulas em três instituições: uma associação
cultural, uma junta de freguesia e os cursos livres do ISCTE.
São rendimentos de algumas centenas
de euros por mês (muitas vezes pagos com largos meses de atraso), mas com a
exigência de emissão de recibos verdes todos os meses.http://cidadaniaverticalidades.wordpress.com/category/prisao/
Para escapar a esta condição
de “criminoso” vejo neste momento só duas soluções, ambas pouco aliciantes:
1) Abandonar a minha casinha e ir viver de baixo da ponte,
seria neste caso a Ponte 25 de Abril, uma ponte que dada a sua altura não
garante protecção em caso de intempérie…2) Pedir um subsídio à Fundação Gulbenkian, como fez em tempos o saudoso poeta e diseur Joaquim Castro Caldas:
"Um dia - como quase todos - acordei sereno estremunhado à noite. Estava farto do mundo em geral e de Portugal em particular. A cortesia era: vou-me matar. Saiu-me isto mas houve uma resposta porreira do outro lado. O que é mais divertido é que a comunicação social estrangeira percebeu que eu estava a brincar.
Portugal não."
J.C.C.
Rua da Lapa XX-X,1200 Lisboa
Ex.mo Sr.
De certa forma desenquadrado de e epidermicamente
hostil ao tão inculto Surrealismo nacional (movimento irreversível que consiste
em Surrar - O - Realismo às Minorias Absolutas através das Maiorias Anónimas) e
na fiel linha lunática, tradição suicida e corrented'ar estética da Poesia
Portuguesa, venho por esta brevíssima e humilde missiva solicitar à Fundação
Gulbenkian, sempre tão prestável e atenta, uma urgente audiência (na pessoa da
V. Ex.a com quem, como tenho vindo ao longo dos anos a constatar e sem qualquer
lisonja hipócrita, as novas gerações mais prezam o diálogo civilizado e o
respeito pela inteligência) audiência essa destinada à concessão de um mísero
(face aos vossos fartos recursos) subsídio que, não sendo por certo habitual
pedir nem provar, muito honraria o brilho da vossa já quase secular
instituição, contribuindo para uma nobre, sã, airosa, decidida e eficaz saída
do meu penoso caso lírico pessoal.
Joaquim Castro Caldas
E a resposta....
1200 Lisboa
Lisboa, 31 de Julho 1987
Pensei então em pedir o aliás douto parecer da Agência Barata (se bem que intuitivamente eu adivinhasse que ela qualificaria o orçamento apresentado de sumptuário), mas preferi, antes disso, procurar nos nossos arquivos antecedentes pedidos para o mesmo fim e verifiquei sem surpresa que - dada a premente necessidade de reduzir as nossas despesas - todos os numerosos apoios financeiros requeridos para viagens alternativas para Inferno, Céu ou Purgatório foram invariavelmente negados e, como é óbvio, não me parece curial a criação de precedentes.
Nestes termos, sinto informar a V. Ex.a que não é
possível atender a solicitação que me dirigiu, ainda que lamente o consequente
facto de ficar condenado a viver mais alguns anos. A não ser que - se me
permitir a sugestão - opte pela solução da corda, do gancho e do banquinho,
solução que, por ser barata, poderá até ser apoiado pela Secretraria de Estado
da Cultura. Ou ainda (porque não?) - e eis uma variante absolutamente gratuita
- a solução do lago do Campo Grande, desde que obtida prévia autorização do
Senhor Eng. Nuno Abecassis.
Entretanto sou de V. Ex.a
Atentamente até ao Outro Mundo,
e muito mais depois,
No entanto, mantenho
esperança que pela força da sua intervenção haja uma terceira via e assim termino,
repetindo a saudação do poeta Pedro Tamen:
e muito mais depois,
Marinus Luyks
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