(Peço a compreensão dos caros sócios-bloguistas: isto pode muito bem ser uma consequência de fazer três meses teatro de intervenção "Imaculados" (sinopse post 4 de Dezembro 2008).
Depois de uma mesa redonda muito interessante, hoje no Instituto Alemão, com a escritora Dea Loher, sinto-me impulsionado a produzir mais um post sobre um assunto da actualidade política. É como diz a diabética Dona Dulce nos "Imaculados": "O que tem de sair, tem de sair, é o que eu também estou sempre a dizer à minha perna (gangrenada)".
Ontem vi num "talkshow light" da RTP uma entrevista com Fernando Contumélias, um dos autores do livro "
Polícia à portuguesa" (ed. Livros d'Hoje).
Em dezenas de entrevistas com elementos da PSP o livro mostra "
um retrato dramático" de uma polícia "
mal preparada, desmotivada e sem condições de trabalho".
"Homens e mulheres que chegam a passar fome, que tem uma vida familiar desestruturada, problemas de saúde, sujeitos à regras que nem sempre compreendem, alvos fáceis de processos disciplinares e/ou criminais. Polícias que têm ordem de não disparar nas perseguições a criminosos. Que tentam fazer o seu trabalho com armas velhas, balas contadas, coletes muito pouco a prova de balas. Que conduzem carros que não passariam numa vulgar inspecção e cujos motores muitas vezes rebentam em plena caça ao ladrão! Que não acertam num alvo a não ser por acaso...." (sinopse da editora).
O livro foi editado há dois meses e apresentado, com bastante divulgação na comunicação social, no dia 18 de Novembro no Palácio Foz..... pelo antigo Ministro da Administração Interna (!) Ângelo Correia, na presença do actual Ministro da Administração Interna(!!) Rui Pereira....
(a ver em
http://ww1.rtp.pt/noticias/index.php?headline=98&visual=25&article=373649%tema=27 ).
Suponho que os autores queiram dar um contributo sério à discussão sobre as forças policiais. Sendo assim, organizar uma apresentação do livro com políticos que fazem ou fizeram parte do Governo (e como tal responsáveis para o estado das coisas descrito na obra) não me parece uma opção muito feliz.
É um tipo de ceremónia que faz lembrar o conceito de "tolerância repressiva", lançado nos anos '60 pelo filósofo Herbert Marcuse (in "
One dimensional man", 1964): "A tolerância com os dissidentes da sociedade liberal tem o propósito de servir não para a emancipação de grupos e pessoas explorados, mas para adormecer os impulsos libertários. Com isso, torna-se repressiva, embora sob a aparência de libertadora."
Hoje vi publicado um manifesto que de certeza não vai ter o mesmo
direito a tempo de antena na comunicação social que teve o livro acima referido: "
Mais um jovem negro e pobre assassinado pela polícia", comunicado da Plataforma Gueto sobre um jovem negro de 14 anos, baleado pelo polícia no dia 4 de Janeiro na Amadora, texto em
http://ait-sp.blogspot.com/2009/01/mais-um-jovem-negro-e-pobre-assassinado.html .
O comunicado acaba:
"Apelamos a mobilização de todos os irmãos contra a violencia policial, a propaganda racista e contra a opressão autoritária. Se a impunidade, o conformismo e o silêncio continuarem os assassinatos continuarão tambem". (assinado: Plataforma Gueto. Sem Justiça não haverá Paz).
Qualquer semelhança com a situação na França, onde se instalou um clima que deu origem a motins nos centros urbanos, não deve ser coincidência...
A situação como descrita no livro "Polícia à portuguesa" pode ser dramática, mas não serão igualmente dramáticas as consequências desta situação para a actuação das forças policiais, nomeadamente em áreas problemáticas como a periferia da Grande Lisboa?